1.8.06

eu mereço...

Pois é... eu penso demais. Não que saia algo que preste, mas penso tanto na vida que algumas horas esqueço da realidade. Acabei de descobrir, por exemplo, que não fiz minha matrícula desse semestre (para quem não sabe o peso desse vacilo, se não conseguir reverter a situação serei desligado da universidade e terei que prestar novamente a seleção para o doutorado; além, é claro, de perder a minha bolsa). Em 12 anos de universidade, prestes a defender meu doutorado, provavelmente a última matrícula da minha vida..... e eu esqueci!!! E eu, uma pedra!

radio muda revisited

Fiz esse desenho já faz um tempo. Foi na ocasião do 1º Fórum Social Mundial. Agora reapresento-o em versão "technicolor". Para quem não conhece, a Radio Muda é uma rádio livre, que tem sua existência física na Unicamp. É mantida por um coletivo, o que significa que não possui hierarquia, nem regimento interno burocrático. A Muda não é uma empresa, não visa o lucro, mas tem como principal objetivo estimular a liberdade de expressão e questionar o monopólio dos meios de comunicação. Hoje em dia a Muda é bem mais que uma rádio. É uma das boas experiências de mídia independente nesse país. E vale sempre lembrar que a Muda é uma rádio livre, não uma rádio pirata, afinal, "Pirata são eles, que querem o ouro".

Ps.: visite o site da Muda. Dá até para ouvir pela internet: http://muda.radiolivre.org/

a revolução das bonecas II

Pois é. Resolvi postar uma das crônicas do "Revolução das Bonecas". Só uma palhinha.

Vamos entrar na lista, querida?

Olha moça, se o nosso nome estiver na lista, vai ser uma libertação. Você que conhece uma prima afastada do Coronel Gustavo Borges, vê se consegue que ela nos ponha na lista; ou então vamos escrever uma carta anônima fingindo que algum inimigo nosso nos denuncia. De uma forma ou de outra, é importante que estejamos na lista: o Brasil ficará à nossa disposição, para o amor e para a fuga. Vamos fugir precipitadamente, levando apenas os apetrechos dos foragidos: escova de dentes, algumas mudas de roupa, documentos falsos. Você se chamará Maria Luisa Guimarães, para efeito de enganar as autoridades; e eu me chamarei Moacir da Costa. Você usará uma peruca loura, eu deixarei crescer um bigodinho iniludivelmente democrático; e só apareceremos em público com óculos escuros. Iremos para um lugar pequenino, onde morem pessoas modestas, onde o grande acontecimento cotidiano seja a passagem do trem das quatro da tarde; ficaremos numa encantadora pensão com banheiro no corredor e com uma placa na porta: “refeições avulsas”. Todas as manhãs iremos à missa, para que ninguém diga que somos ateus; e de madrugada, com baldes de piche e pincéis, escreveremos em todos os muros: Fogo na canalha comunista! Assim ninguém descobrirá as nossas verdadeiras convicções.

À noite, na pracinha, a cidade nos verá enlaçados, e todos começarão a perguntar que casal é aquele. A mulher mais ferina do lugar virá sentar-se ao nosso lado e, dissimuladamente, prestará atenção à nossa conversa. Ah! Nós nos divertiremos conversando em francês, dizendo coisas terríveis em francês, como por exemplo:

– Tu es folle...

– Oui... Et toi aussi, tu es fou...

A velhota, a sirigaita, puxará conversa, perguntará quem somos, de onde estamos vindo. E nós lhe diremos:

– Nascemos um para o outro, viemos do ventre materno diretamente para esse encontro. A minha residência fixa é nos braços dessa senhora, e ela por sua vez tem seu endereço no meu coração. O nome dela é Meu Amor, e somos xarás. Pretendemos seguir viagem na direção do futuro. Alguma outra pergunta?

– Minha senhora, isto são coisas do tempo antigo. Já há pessoas casadas em excesso neste mundo, de modo que nós dois decidimos variar um pouco. Somos da opinião que os verdadeiros amantes devem residir em lugar incerto e não sabido, e que é nos olhos deles que se encontra o fulgor, o sacramento de sua comunhão. Não temos filhos, nem netos, nem mãe nem pai, nem avô nem avó, nem irmão nem irmã; somos impermeáveis à família e à amizade, somos apenas duas pessoas, não temos nada a ver com o mundo ao qual Vossa Excelência pertence...

Ela então espalhará pela cidade: “Aqueles dois não são comunistas, não são casados nem nada. São doidos.”

E viveremos felizes na clandestinidade, durante os dez anos estabelecidos pelo Ato Institucional e por mais dez anos, estabelecidos por nossa própria conta. Vinte anos!

Vamos, meu amor, vamos pedir para que nos ponham na lista. Quando a polícia vier fugiremos, a felicidade nos espera!

José Carlos Oliveira

a revolução das bonecas

Descobri o mundo dos sebos alguns anos antes de ingressar na universidade. Em minha cidade havia apenas um sebinho mequetrefe, bem sujo e tosco, em que o dono julgava o preço de cada livro mais pelo peso do que propriamente pelo seu conteúdo ou raridade (prática que constatei ser comum em sebos de pequenas cidades do interior). Dali saíram os primeiros volumes da minha modesta biblioteca. Como não conhecia coisa alguma sobre o universo dos livros, cada velho exemplar comprado representava um tiro no escuro. Era ler para crer. No final das contas, adquiri muito lixo (do qual aos poucos me livrei), mas igualmente, muita coisa boa. O tempo passou: fui morar longe, me formei, depois mestrado, doutorado, essas coisas todas.... e um dia, em visita aos meus pais, resolvi gastar uma tarde no velho sebo da minha adolescência. Encontrei tudo praticamente do jeito como havia deixado. Boa parte dos livros ficou encalhada por todos esses anos, de modo que me senti reencontrando com velhos dias do passado: as mesmas lombadas expostas nas mesmas prateleiras, a mesma poeira, o mesmo cheiro de mofo, os mesmos preços... o tédio de livro em sebo do interior! Comprei apenas um, por sinal um velho conhecido do tempo em que eu freqüentava diariamente o tal sebo. Naquela época, chegava a tirá-lo constantemente da estante para admirar sua capa. Achava-a interessante, bem chamativa (depois fui descobrir que havia sido feita pelo Ziraldo, aquele que nunca brochou). Porém o título sempre me desestimulava a levá-lo para casa: “A Revolução das Bonecas”. Pensava comigo: “mas que palhaçada é essa?”. E a verdade é que sequer cheguei a folheá-lo naquela época para tirar a dúvida. O nome do autor também não ajudava em nada: José Carlos Oliveira. Puta nomezinho comum! Tão comum que ficava até difícil de lembrar. Pois bem. Dessa vez comprei o tal livro. E me surpreendi!! É hoje um dos meus livros preferidos. Não é nenhuma obra prima da literatura universal que torne seu autor digno de um Nobel (isso não aconteceria, em primeiro lugar porque ele já foi pro beleléu). Mas é bem do meu agrado. Trata-se de uma coletânea de crônicas publicadas no Jornal do Brasil, entre 1963 e 1966. Seu estilo mistura criatividade, lirismo e talento com um humor seco e sarcástico. É facil notar também a influência direta das idéias de Albert Camus (principalmente o Camus de “O Mito de Sísifo”) nas obsessões de J.C.O. pelo tema do absurdo. Se você curte um sebinho e der de cara com um exemplar desses, recomendo. A edição que comprei foi impressa em novembro de 1967, talvez a única que tenha sido lançada, e meu exemplar é o de número 0825.