1.8.06

a revolução das bonecas II

Pois é. Resolvi postar uma das crônicas do "Revolução das Bonecas". Só uma palhinha.

Vamos entrar na lista, querida?

Olha moça, se o nosso nome estiver na lista, vai ser uma libertação. Você que conhece uma prima afastada do Coronel Gustavo Borges, vê se consegue que ela nos ponha na lista; ou então vamos escrever uma carta anônima fingindo que algum inimigo nosso nos denuncia. De uma forma ou de outra, é importante que estejamos na lista: o Brasil ficará à nossa disposição, para o amor e para a fuga. Vamos fugir precipitadamente, levando apenas os apetrechos dos foragidos: escova de dentes, algumas mudas de roupa, documentos falsos. Você se chamará Maria Luisa Guimarães, para efeito de enganar as autoridades; e eu me chamarei Moacir da Costa. Você usará uma peruca loura, eu deixarei crescer um bigodinho iniludivelmente democrático; e só apareceremos em público com óculos escuros. Iremos para um lugar pequenino, onde morem pessoas modestas, onde o grande acontecimento cotidiano seja a passagem do trem das quatro da tarde; ficaremos numa encantadora pensão com banheiro no corredor e com uma placa na porta: “refeições avulsas”. Todas as manhãs iremos à missa, para que ninguém diga que somos ateus; e de madrugada, com baldes de piche e pincéis, escreveremos em todos os muros: Fogo na canalha comunista! Assim ninguém descobrirá as nossas verdadeiras convicções.

À noite, na pracinha, a cidade nos verá enlaçados, e todos começarão a perguntar que casal é aquele. A mulher mais ferina do lugar virá sentar-se ao nosso lado e, dissimuladamente, prestará atenção à nossa conversa. Ah! Nós nos divertiremos conversando em francês, dizendo coisas terríveis em francês, como por exemplo:

– Tu es folle...

– Oui... Et toi aussi, tu es fou...

A velhota, a sirigaita, puxará conversa, perguntará quem somos, de onde estamos vindo. E nós lhe diremos:

– Nascemos um para o outro, viemos do ventre materno diretamente para esse encontro. A minha residência fixa é nos braços dessa senhora, e ela por sua vez tem seu endereço no meu coração. O nome dela é Meu Amor, e somos xarás. Pretendemos seguir viagem na direção do futuro. Alguma outra pergunta?

– Minha senhora, isto são coisas do tempo antigo. Já há pessoas casadas em excesso neste mundo, de modo que nós dois decidimos variar um pouco. Somos da opinião que os verdadeiros amantes devem residir em lugar incerto e não sabido, e que é nos olhos deles que se encontra o fulgor, o sacramento de sua comunhão. Não temos filhos, nem netos, nem mãe nem pai, nem avô nem avó, nem irmão nem irmã; somos impermeáveis à família e à amizade, somos apenas duas pessoas, não temos nada a ver com o mundo ao qual Vossa Excelência pertence...

Ela então espalhará pela cidade: “Aqueles dois não são comunistas, não são casados nem nada. São doidos.”

E viveremos felizes na clandestinidade, durante os dez anos estabelecidos pelo Ato Institucional e por mais dez anos, estabelecidos por nossa própria conta. Vinte anos!

Vamos, meu amor, vamos pedir para que nos ponham na lista. Quando a polícia vier fugiremos, a felicidade nos espera!

José Carlos Oliveira

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Sim! Já estamos meu Xará!

1:22 PM  

Postar um comentário

<< Home