eu mereço...

À noite, na pracinha, a cidade nos verá enlaçados, e todos começarão a perguntar que casal é aquele. A mulher mais ferina do lugar virá sentar-se ao nosso lado e, dissimuladamente, prestará atenção à nossa conversa. Ah! Nós nos divertiremos conversando em francês, dizendo coisas terríveis em francês, como por exemplo:
– Tu es folle...
– Oui... Et toi aussi, tu es fou...
A velhota, a sirigaita, puxará conversa, perguntará quem somos, de onde estamos vindo. E nós lhe diremos:
– Nascemos um para o outro, viemos do ventre materno diretamente para esse encontro. A minha residência fixa é nos braços dessa senhora, e ela por sua vez tem seu endereço no meu coração. O nome dela é Meu Amor, e somos xarás. Pretendemos seguir viagem na direção do futuro. Alguma outra pergunta?
– Minha senhora, isto são coisas do tempo antigo. Já há pessoas casadas em excesso neste mundo, de modo que nós dois decidimos variar um pouco. Somos da opinião que os verdadeiros amantes devem residir em lugar incerto e não sabido, e que é nos olhos deles que se encontra o fulgor, o sacramento de sua comunhão. Não temos filhos, nem netos, nem mãe nem pai, nem avô nem avó, nem irmão nem irmã; somos impermeáveis à família e à amizade, somos apenas duas pessoas, não temos nada a ver com o mundo ao qual Vossa Excelência pertence...
Ela então espalhará pela cidade: “Aqueles dois não são comunistas, não são casados nem nada. São doidos.”
E viveremos felizes na clandestinidade, durante os dez anos estabelecidos pelo Ato Institucional e por mais dez anos, estabelecidos por nossa própria conta. Vinte anos!
Vamos, meu amor, vamos pedir para que nos ponham na lista. Quando a polícia vier fugiremos, a felicidade nos espera!